quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mãos sem perdão

Perdoe minhas mãos.
Certas mãos não sabem o que fazem. Deveriam ser de carinho, mas foram apenas aquelas que deixaram marcas e que sufocaram; que asfixiaram almas. Deveriam amparar e serem guias; no entanto, abandonaram num labirinto.
Perdoe minhas mãos por serem assim.
Apontam e atacam, quando deveriam guardar e ser mãos que trabalham. Antes que alívio, trazem a dor, fazendo de seus afagos, as feridas. Antes que aconchego, fomentam o desespero. Que, ao invés de carregarem um coração, impõem-lhe a mágoa.
Perdoe essas minhas mãos.
Criadas para serem mãos de cura, causam doenças, contaminadas por vírus de desatinos. Mãos descuidadas que não mais recebem – apenas jogam fora. Que preferem um aceno de adeus à alegria de receber na chegada. Mãos de partida. De desengano.
Perdoe a frieza de minhas mãos.
Por saberem que foram feitas para intervir nas discórdias, mas escolhem bater. Por só levarem o alimento à boca que lhes pertence e a ninguém mais. Mãos feitas para plantar, porém, descuidadas, perdem sementes pelo caminho. Que transformam as terras que lhes são dadas ao plantio do amor, em vastos desertos estéreis e de decepção, dos quais subverte as areias, regando-as com lágrimas.
Perdoe-me.
Por não saber usar ou conter as mãos insanas. Por não unir as mãos para uma prece sequer. Por, ao invés de oferecer o anel da aliança, ter amputado a delicadeza dos dedos de sua alma e lhes infligir a paralisia dos gestos.
Perdoe essas mãos setenta vezes.
Por não saberem construir o que puseram abaixo. Pela covardia de não conseguirem por fim em seu próprio desvario e repousarem no peito.
Perdoe essas mãos que não sabem sequer rogar perdão.

texto: paulo moreira
imagem: photoforum.ru - rússia

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