Devaneio é um álbum multimídia dentro da gente. São lembranças guardadas num index, cuja ordem nos complica e que mais parece uma apresentação aleatória de imagens. Mas, não é apenas isso. É um álbum que se apresenta por sentimentos; não tem ordem cronológica ou alfabética. Um passeio que pode ser uma simples caminhada, tanto quanto uma volta de Fórmula 1 – só depende da nossa imaginação. Não tem vínculo algum que não seja o da emoção. Uma viagem no nosso tempo e no nosso espaço.
Um flash de uma frase trocada com uma professora, uma lembrança de primeiro beijo com perfume de carinho que só aquele momento possuiu. Lembrar aroma... ora! Aquela foto com um laço branco, enorme e imensamente ridículo, ultrapassando longe a área de uma cabeça, que sabemos, maravilhosa. O papel da foto pode até já ter ido, mas dentro de nós continua aquela adorável coisa boba. A primeira visão da pessoa amada, nua e linda, no primeiro momento de amor, amor mesmo.
O jeep ou o triciclo do dia de natal que só apareceu no dia 25 pela manhã coberto de fitas, numa dessas magias de um infalível mago de dezembro. Aquele néctar de jabuticaba que só aquelas tinham. A briga com o Jorge japonesinho. Namorar no carro é um sufoco! Câmbio infeliz. O “seu” Américo do bazar, acho que chamava Bazar Safira (merecido nome) – um mundo de sonhos de cadernos e brinquedos misturados, além de presentes para o dia das mães. Com cartão e tudo!
A miniatura do creme dental Kolynos ganhada no Salão da Criança e que até hoje não sabemos onde foi parar, mas não usamos por dó de perder a preciosidade. Para não mais desperdiçar miniaturas, tomei todo o líquido das miniaturas de bebidas da coleção lá de casa. O Martini doce é mil vezes melhor que o Fogo Paulista. Valeu a bronca.
Ai, aquela calça Lee boca de sino – emendada para aumentar a boca e, conseqüentemente, melhorar o som do sino. Aquele aperto inesperado no meio da dança, como resposta de um pequeno suspiro junto ao ouvido. O time do outro colégio que, jamais – em tempo algum – ganhou de nós em qualquer modalidade. VIVA WOLNY! Não ganhavam nem em arremesso de caroço de melancia. A chegada da filha; seus olhinhos verdes e sotaque de mineirinha. Na verdade – ela nos adotou.
Meus automóveis de plástico com as rodinhas removíveis e desaparecíveis. Uma irmã nascendo em plena madrugada e que, além de nos tirar a condição de caçula, tirava também o sono com aquele choro enjoado e incomodante de concorrência não muito bem vinda. Como é que me confesso para o padre? Como explicar o que ocorre entre uma revistinha e outra?
A odiada dona Rosinha me adora e passei em primeiro lugar. Adeus grupo. Eta medalha linda que ganhei, mas não levei. Agora o papo é de gente grande – ginásio. Aquele dia na praia queo carro afundou por causa da maré e que, ocupados num importante amor na pedra, sequer notamos. Tivemos que arrombar o porta-malas do carro novinho, porque a chave foi fechada dentro. Ainda bem que alguém ajudou. O dia que a neta nasceu. Coisinha mais linda. Só não tem um único fiozinho de cabelo.
Jogar bolinha de gude com o Zé Roberto irrita – grande ladrão de figurinha, ainda por cima, perneta. Brincar de casinha com a Vera e a Sandra. Tenho tido umas idéias melhores que apenas dar bronca em bonecas. Tais como – mandar a “esposinha” ir buscar pudim para o “papai”. Como é bom ser papai. Chegar na “nossa casinha”, com uma versão SLE de um Simca Chambord de rolimã.
Brigar com o gerente foi enfiar o pé na jaca. Mas eu disse tudo o que queria. O cara é louco – Fui promovido!
A mãe dela nos pegou no quarto. Até camisa vesti ao contrário. E foi falar com meu pai. Ele disse que quem deveria reclamar era ele: – Sua filha é maior de idade! (eu ouvi, mas se ele souber disso, me esgana). O menor de idade sou eu. Menor ou maior, levei um ralo sem tamanho!
Responder o questionário caderno da Leila, que tem 250 perguntas importantíssimas, que vão desde um simples “O que você acha da sua mãe?”, até um complicado “Como foi seu primeiro beijo?”. Pior – “Aonde foi?”. Colocar dedicatória no final é um pé. Pior que batatinha quando nasce. Toda vez que brigo, ganho uma promoção. Brigo com convicção... Esse é o segredo!
Guarda-chuva de presente de aniversário. Ela é doidinha. Mas é nunquinha que eu uso! O primeiro relógio pago com o primeiro salário. Seiko bonito.Trabalhão abrir aquela porta sem maçaneta do banheiro do motel, que resolveu bater e nos deixar presos lá dentro, sem roupas ou esperanças. Ela chorando, sentada no vaso sanitário, parecia aquela hiena do desenho animado... “Oh dia! Oh azar!” Estava tragicômico.
Hoje é segunda, 29 de março... já fiz 18 anos ontem e, hoje, o exame médico da carteira de habilitação. Subornei o médico. O único jeito de passar sem óculos. A menina da cadeira de rodas me ensinou a beijar na boca. Uauuuuuuuu. Ela tem técnica pra caramba!
Engasguei com a fumaça do cigarro. Não sei como alguém pode viciar nisso. Arroz, feijão, bife e batata frita. Salada de tomate com meio vidro de vinagre às 4 da tarde. Após o tomate, o suco do vinagre, claro!
Lá, no Mato Grosso do Sul, tudo é lindo!
O duro não foi ser expulso do cinema. O duro foi ouvir a explicação do Nelsinho sobre a resposta dada para a moça da bilheteria – de que só tinha 14 anos: – Ela me pegou de “chupetão”!!!!!
O dia em que percebi que amava muito além do que poderia imaginar. Quando percebi que amores se partem. E é necessário partir. Mastigar a hóstia na primeira comunhão foi mal. O padre fez uma cara...
Ver a neta andando de bicicleta, parece uma montagem de filme da filha com remixagem. Jogar Banco Imobiliário é ser feliz e não saber! Meu pai parecia que sorria no caixão. Arranjei um estágio. Errei uma fala na apresentação do teatro. Droga! Valia o primeiro lugar no festival de teatro amador. Que se dane! Amador não deveria ser competidor.
Vamos nos casar daqui a 3 meses. Compramos aquela casinha pequenininha com aquele jardim enorme. Vendi a minha metade da casinha para ela pelo mesmo valor das parcelas pagas. Ela deixou um jardim no meu coração. Eu deixei um canteiro de obras no dela. Não vamos mais nos casar.
Acampar sozinho com a Conceição foi bom. Teria sidomelhor se aquele casal com o filho de 5 anos – numa praia até então deserta – não tivesse vindo montar a barraca bem defronte à nossa. O homem adora pescar jogando vela de automóvel no mar. E adora conversar comigo longos papos, enquanto a mulher tricota segredos com a Conça e o moleque faz birra. Aguarda Conceição!
O Taranta casou umas oito vezes. O Edson casou com a Helena. A Cris gostava de mim, namorava o Carlos e casou com um tal de Rogério. Outro dia eu também casei. Revirar o lixo da escola depois da meia noite e encontrar stencil de prova – mais que um esporte – um raro prazer! A união era tanta, que o pessoal só acertava uma questão a mais que a nota necessitada – O nome disso é inteligência. A professora de português se apaixonou pelo Edson. Largou a aula na metade para nos ver no teatro.
– O nome disso é loucura! Ou solidão.
Tamarindo é muito bom. Um azedinho demais! Maçã farinhenta tem gosto de corrimão de boate e jeito de amor se desmanchando. Amor em pedaços... Me chamaram no Messenger. A turma da salinha de bate-papo é muito dez. Estou ouvindo uma canção linda de um conjunto que não lembro o nome. Deve ser de hum mil e novecentos e bola bola. Mas é linda...
– La lalala-lalala... la.... – la la la la la la – la la la la la la – la la la la la – la la la la la la – la la la la la la....
texto: paulo moreira
imagem: photoforum - rússia