domingo, 21 de fevereiro de 2010

Encaixotando nós dois

Não sei por onde começar. Minhas mãos vacilam e sinto medo de imaginar tantas coisas fechadas nessas caixas.
Arrepia-me a idéia de carícias tomadas pelas teias de aranha. Não consigo imaginar a primeira vez ou o primeiro beijo cobertos de pó. Talvez nossos sorrisos se desmanchem na escuridão do sótão e sentirei falta dos filhos imaginários que não tivemos. Dos dois. Vou sabê-los jogados entre lembranças de conversa na cozinha e isso vai me fazer sofrer ainda mais que tê-los perdido.
Como suas roupas íntimas ficavam lindas, jogadas por nem sei onde. Uma foto minha, me arrastando silencioso feito um guerrilheiro no quintal, para não ser pego pelo inimigo. Empurrar portas emperradas sem produzir som, trouxe sensibilidade. Você rainha, no topo da escada, concedendo-me seu sorriso real, talvez o melhor quadro.
Dobrar as ruas cobertas de sonhos da sua cidade junto com a boca suja de sorvete – não vai ser fácil. O batom sendo passado antes de cada ritual de conversas sem fim. Uma blusa verde e alguma coisa estranha nos pulsos. Dois sentados numa namoradeira de pernas pra cima, assistindo o céu fazer promessas que nunca cumpre. As horas de almoço que quero matar tal qual uma roseira. Os quadros que não penduramos e a ânsia de saber o sabor do pão que fiz – também precisam ser guardados.
Junto aos drinks de frutas em pó, o som desse sino de vento, enlouquece. Nossa horta que não fizemos, ficou feia e cheia de matos. No pomar, colhíamos perfumes – entre mangas, acerolas e jacas. A espera angustiante de te ver entrar pela porta do quarto, seguida de uma alegria de criança feliz.
Parar de ouvir nossos uivos lascivos pela madrugada, talvez me alivie. As juras que, enquanto viver, vou negar – devem ficar bem amarradas, com as listas de erros. Vou colar nossa foto fora da caixa. Pode ser que alguém curioso, venha a este sótão. E fique sem entender, definitivamente, porque tantas coisas bonitas foram guardadas aqui.
Daqui algum tempo, talvez sinta vontade de abrir tudo isso, e me detenha ao ver nossos rostos roídos por traças e ratos.
Mas, meu desejo é não por minhas mãos novamente nessas caixas. Nunca mais.
texto: paulo moreira
imagem: photoforum.com - rússia

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