Acordou e não conseguiu tão rápido cair em si. O sonho houvera sido muito marcante e ainda levava consigo as sensações dele. Sonho de beijos molhados e rostos desconhecidos; na seqüência, ruas vazias e a névoa de uma noite de abandono.
Apalpou ao lado procurando os óculos, enquanto os pés procuravam os chinelos. Encontrou-os pela automação diária dos hábitos. Levantou-se e tateou até o interruptor. A luz repentina invadiu os olhos que arderam. Resolveu não acender mais nenhuma e ficou arrastando-se pela casa. Com a mente não atinando em nada, tropeçou no tapete. Tropeços são parte da vida.
Na escuridão da sala tentava pensar em algo, mas estranhamente nada surgia para poder pensar. Ainda estava sob a emoção do sonho, do qual só trazia resquícios de sensações procurando a lógica da letargia. Nada. No sofá, apenas vultos dos móveis e um silêncio desafiador. Madrugada.
Sem fome, passou pela cozinha indiferente e andou feito um zumbi pela casa. Foi e voltou várias vezes. A mente ainda vazia. Só restava voltar para o quarto e continuar o sono.
Entrou, apagou a luz e deitou-se na cama. Não havia tirado os óculos e só ao virar-se para o lado sorriu do detalhe bobo. Sentiu-se idiota ao tirá-lo e recolocá-lo umas três vezes para comprovar o óbvio. No escuro total do quarto não fazia a menor diferença tê-lo ou não.
As lentes não eram menos lentes, nem seus olhos menos míopes. Assim como o armário, o quadro e a janela eram os mesmos. Pensou na tolice que lhe guiava os sentidos e sentiu-se como um nenê pensando diante do chocalho no berço. Na escuridão total, nada faz diferença.
Passou pela cabeça o nome daquela pessoa e, susto maior, nenhuma imagem surgiu. Imaginava sempre as noites que passaram juntos e das quais trazia as lembranças que, hoje em especial, teimavam em não surgir.
Deu-se conta dos tempos que ali passara e, sempre que fechava os olhos, vislumbrava as cenas do que fora amor. Noites agitadas em que acordava com o corpo chamando por esse alguém; em que as próprias mãos passeavam pelo corpo inquieto, como fossem capazes de trazer a presença de um dia. Dos beijos dados no próprio braço, tentando reproduzir o calor daquele corpo, ficava a desilusão da ausência.
Tinha amado como ninguém jamais ousara. Houvera abandonado tudo em razão da luz daquele amor. Abandonara, talvez, a própria vida em direção a ela. Dos momentos, sentia a falta; desde cada beijo ou carinho trocado, até o fundo da alma cicatrizada pela distância muita e o desprezo mudo.
Até então, bastava fechar os olhos e pensar naquele amor, para que no escuro e na solidão de seu quarto surgissem aquelas paisagens iluminadas de lindas cenas indecentes. Vinham os planos a dois, as conversas trocadas, as esperanças. A vida tornava-se luz.
Mas, naquela noite não era mais assim.
Sabia que, a partir dela tudo estaria ali, a exemplo de seus armários, janelas e objetos. Embora ali estivessem - seus olhos, suas lentes e o resto do quarto não seriam suficientes para resistir à ausência de uma nesga de luz que fosse. Era impossível enxergar alguma coisa.
Lembrou-se de ter dito um dia que a ausência da pessoa amada fazia sua vida tornar-se noite. Tinha razão. Dezenas de anos e milhares de dias haviam se tornado assim agora.
Só então caiu em si.
Na mesa de cabeceira faltava alguma coisa. Talvez, um porta-retratos imaginário, no qual diariamente admirava tantos anos de tanto amar. Mesmo que apalpasse, acendesse a luz ou colocasse os óculos, não o veria mais, qualquer que fosse o lugar. Revoltados conosco talvez, certos retratos tornam-se invisíveis. Intocáveis.
Seu coração foi retirando pouco a pouco, entre tantos desacertos e desencontros, esse alguém de dentro de si.
Não era necessário mais pensar. Era suficiente saber que, mesmo que poderosas lentes fossem implantadas em si, não mais enxergaria o amor que havia ficado em algum lugar do caminho, onde as estrelas cintilavam ou onde o sol nascia senhor da Terra. Sem fonte de luz, cegueira e lente são irmãs gêmeas.
Jogou fora os óculos do coração. Virou-se para o lado e dormiu diferente dos dias em que dormia para poder sonhar. Dormiu sem porquê; nem feliz, nem infeliz.
Apalpou ao lado procurando os óculos, enquanto os pés procuravam os chinelos. Encontrou-os pela automação diária dos hábitos. Levantou-se e tateou até o interruptor. A luz repentina invadiu os olhos que arderam. Resolveu não acender mais nenhuma e ficou arrastando-se pela casa. Com a mente não atinando em nada, tropeçou no tapete. Tropeços são parte da vida.
Na escuridão da sala tentava pensar em algo, mas estranhamente nada surgia para poder pensar. Ainda estava sob a emoção do sonho, do qual só trazia resquícios de sensações procurando a lógica da letargia. Nada. No sofá, apenas vultos dos móveis e um silêncio desafiador. Madrugada.
Sem fome, passou pela cozinha indiferente e andou feito um zumbi pela casa. Foi e voltou várias vezes. A mente ainda vazia. Só restava voltar para o quarto e continuar o sono.
Entrou, apagou a luz e deitou-se na cama. Não havia tirado os óculos e só ao virar-se para o lado sorriu do detalhe bobo. Sentiu-se idiota ao tirá-lo e recolocá-lo umas três vezes para comprovar o óbvio. No escuro total do quarto não fazia a menor diferença tê-lo ou não.
As lentes não eram menos lentes, nem seus olhos menos míopes. Assim como o armário, o quadro e a janela eram os mesmos. Pensou na tolice que lhe guiava os sentidos e sentiu-se como um nenê pensando diante do chocalho no berço. Na escuridão total, nada faz diferença.
Passou pela cabeça o nome daquela pessoa e, susto maior, nenhuma imagem surgiu. Imaginava sempre as noites que passaram juntos e das quais trazia as lembranças que, hoje em especial, teimavam em não surgir.
Deu-se conta dos tempos que ali passara e, sempre que fechava os olhos, vislumbrava as cenas do que fora amor. Noites agitadas em que acordava com o corpo chamando por esse alguém; em que as próprias mãos passeavam pelo corpo inquieto, como fossem capazes de trazer a presença de um dia. Dos beijos dados no próprio braço, tentando reproduzir o calor daquele corpo, ficava a desilusão da ausência.
Tinha amado como ninguém jamais ousara. Houvera abandonado tudo em razão da luz daquele amor. Abandonara, talvez, a própria vida em direção a ela. Dos momentos, sentia a falta; desde cada beijo ou carinho trocado, até o fundo da alma cicatrizada pela distância muita e o desprezo mudo.
Até então, bastava fechar os olhos e pensar naquele amor, para que no escuro e na solidão de seu quarto surgissem aquelas paisagens iluminadas de lindas cenas indecentes. Vinham os planos a dois, as conversas trocadas, as esperanças. A vida tornava-se luz.
Mas, naquela noite não era mais assim.
Sabia que, a partir dela tudo estaria ali, a exemplo de seus armários, janelas e objetos. Embora ali estivessem - seus olhos, suas lentes e o resto do quarto não seriam suficientes para resistir à ausência de uma nesga de luz que fosse. Era impossível enxergar alguma coisa.
Lembrou-se de ter dito um dia que a ausência da pessoa amada fazia sua vida tornar-se noite. Tinha razão. Dezenas de anos e milhares de dias haviam se tornado assim agora.
Só então caiu em si.
Na mesa de cabeceira faltava alguma coisa. Talvez, um porta-retratos imaginário, no qual diariamente admirava tantos anos de tanto amar. Mesmo que apalpasse, acendesse a luz ou colocasse os óculos, não o veria mais, qualquer que fosse o lugar. Revoltados conosco talvez, certos retratos tornam-se invisíveis. Intocáveis.
Seu coração foi retirando pouco a pouco, entre tantos desacertos e desencontros, esse alguém de dentro de si.
Não era necessário mais pensar. Era suficiente saber que, mesmo que poderosas lentes fossem implantadas em si, não mais enxergaria o amor que havia ficado em algum lugar do caminho, onde as estrelas cintilavam ou onde o sol nascia senhor da Terra. Sem fonte de luz, cegueira e lente são irmãs gêmeas.
Jogou fora os óculos do coração. Virou-se para o lado e dormiu diferente dos dias em que dormia para poder sonhar. Dormiu sem porquê; nem feliz, nem infeliz.
Dormiu para permitir que o dia amanhecesse.
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texto: paulo moreira
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texto: paulo moreira
imagem: arquivo pessoal
2 comentários:
meu querido amigo; meu irmão de alma ! As vezes fico pensando...porque pessoas se encontram e convivem e criam ambientes maravilhosos juntos; e passam tanto carinho, tanta admiração... Porque será que o amor mesmo em fantasia consegue criar algo tão nobre, tão invejavel...porém a essencia que se procura pra sí proprio não está contida neste mundo.Sinto uma tristeza profunda neste instante, qu nem mesmo me contenho...sempre vejo em meus amigos, a relação do amor que desejo pra mim e quando algo assim tão lindo aos meus olhos se desfaz´, é como se a vida me dissesse que tudo isso é impossivel.Porém, na minha teimosia eu não quero acreditar nisso; Prefiro acreditar que ainda falta luz aos olhos de quem quer encontrar o amor. Um grande abraço, meu querido amigo.
olá caríssimo Paulo...
puxa pq vcs removeram o mural de recados?
mudando de assunto....
o que achou da prova passada?
Abraços!
Ignacio
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