terça-feira, 19 de maio de 2009

Pessoas, Passarinhos e Anjos

Existem duas maneiras de podermos ouvir o canto de um pássaro todos os dias, o tempo todo:
Uma é ter árvores, flores, plantas diversas ao redor de nossa casa. É vibrar com a lenta aproximação da luz e dos piados tímidos que anunciam a chegada do novo dia, evoluindo para uma algazarra que festeja a vida e a liberdade. Sorrir por, talvez, não possuirmos um lugar assim mas, sermos agraciados com a visão de seu voo livre e, mesmo ao longe, poder ouvir seu trinado. Ter a consciência que Um Ser Maior enviou "chaveirinhos" de anjos para nos alegrar o espírito. Alegria de amar por amar e nada mais.
A outra consiste em invadirmos algum lugar assim e, sordidamente, prepararmos armadilhas para que o ingênuo passarinho caia numa delas. Ou, quem sabe, numa inequívoca demonstração de poder, já o compremos escravo. A alegação é amar o bichinho; proteger-lhe dos predadores ou fazer supor que, uma vez escravo, em liberdade seria uma inútil vítima nas mãos de outros piores que nós mesmos. E ainda mais egoístas. Prova de amor é ter um canto só para si. Em troca, algum alimento. Ora, por favor...
Se lhe furarmos os olhos, é provável que seu canto torne-se ainda melhor aos nossos "apurados" ouvidos. Sim, os melhores cantos são os cantos da tristeza sem fim, da dor que apunhala e do desespero sombrio. A música que mais fundo deveria tocar a alma é suave doçura aos ouvidos dos que nem a própria consciência escutam. Dar fio à lâmina do egoísmo. Aviltar uma criaturinha cujo mal maior foi ter nascido para voar, cantar e ensinar a felicidade de ser livre.
É o não amar.
Na primeira hipótese, teremos o gorjeio alegre daquele que nos visita diariamente com o intuito de ter a certeza do alimento e da paz. Daquele que nos dá seu melhor trinado como brinde a um querer bem infinito. O presente sem preço de sua graça e agilidade. Um bilhete de Deus, transcrito em notas musicais e movimentos de asinhas de minúsculos grandes anjos.
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Existem duas maneiras de podermos ouvir o canto de um coração todos os dias, o tempo todo:
Uma é ter amor, plantar sorrisos, alegrias e esperança dentro de alguém. Sorrir por cultivar a compreensão; por tentar tornar esse coração mais pleno; feliz por poder amar sem ser dono de absolutamente nada e, paradoxalmente, possuir tudo. Uma eterna criança, desprovida de qualquer maldade, brincando com seu trabalho e todos que o cercam. Emocionar-se ao sentir a felicidade das inocências. Poder entregar seu corpo e seu ser com a mesma espontaneidade e a alegria com que recebe; como o melhor presente do mundo.
A outra é, tal qual as armadilhas da mata, criar vínculos que surgem da carência de amor. Usar a sedução advinda da facilidade de criar ilusões em corações menos previdentes e, com ela, construir as gaiolas da dependência; as prisões da necessidade de carinho. Manipular a paixão como ferramenta de domínio e a mínima atenção como migalhas de uma arapuca. Fazer com que a sede de amar e ser amado seja o eterno cativeiro do outro.
Furar os olhos dos sentimentos de alguém para ouvir o canto lamento que sai das suas imaginárias cordas vocais, nas notas de suas atitudes cegas. Feliz pela certeza de que a canção do pássaro na gaiola ecoa agora dentro de um coração humano. Exigir a música triste das notas de um piano perfeito, tocada por mãos mutiladas pelo desencanto de tanto acenar adeus. Deixar as cicatrizes do desencanto tomarem conta do rosto - um dia tão lindo - de quem apenas quis ser feliz. Provocar, pela inconsequência, o passeio daquele que só queria voar e cantar para a vida, pelos arcabouços do próprio pensamento - embotado pelas culpas do que não produziu sozinho. Pretender ser hoje o guia seguro que deveria ter sido no passado e ter a ousadia de chamar isso de amor. Confundir compaixão com a manutenção da cela limpa.
Na primeira alternativa, teremos o mundo de mãos dadas. O prazer pela vida estampado nas pessoas. O verdadeiro querer bem dos olhares sinceros e da segurança que advém de nos sabermos queridos e de lutarmos por isso. Optar pelos caminhos que quisermos percorrer juntos e os horizontes que vierem, serem sempre bem vindos. Amar verdadeiramente e sem máscaras ou limites. Lembrar sempre que grades comuns não conseguem deter os anjos.
Abrir a janela e enxergar um beija-flor seduzindo sem cerimônias a nossa flor, sem saber quem é o imitador: nós ou ele. Mais um bilhetinho.
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texto: paulo moreira
imagem: internet

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